sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Cultura e diversidade





Do ponto de vista biológico a diversidade surge no processo de evolução dos seres vivos em consequência da necessidade de adaptação do sujeito ao meio. Sabemos hoje que a diversidade é condição imprescindível à manutenção da vida no planeta. No caso da espécie humana, essa diversidade se manifesta tanto biológica quanto culturalmente. As culturas se constroem e se diversificam na interação com o meio em que vivem e no contato com outras culturas. Cada ser humano traz em si um potencial único que se manifesta no processo de individuação. Porém, esse processo é consequência da interação do indivíduo com o meio no qual está inserido e com sua identificação com os valores do grupo ao qual pertence.
Hoje, as fronteiras entre as diversas culturas já não têm limites tão precisos. Mas o desenrolar histórico desse encontro de culturas gerou um momento em que existe uma forte tendência a uma homogeneização cultural dentro dos padrões impostos pelas demandas de consumo. Essas demandas não refletem necessidades reais, mas antes as cria com o fim de manter a economia em movimento. Se por um lado existe um forte apelo ao individualismo, por outro se restringe cada vez mais os espaços de construção/exercício da individualidade. A expansão dos meios de comunicação facilitou o acesso à informação e a possibilidade de expressão. Mas só têm um amplo espaço de expressão (na grande mídia produtora/detentora/divulgadora das verdades) as informações que se conformam a um modelo de discurso. Muitas vezes é essa informação distorcida que tomamos por base em nossas discussões.
Na sala de aula
DIFERENÇA (gr. ôioupopá; lat. Differentia-, in. Difference, fr. Différence, ai. Differenz; it. Differenzà).
Determinação da alteridade. A alteridade não implica, em si, nenhuma determinação; p. ex., "a é outra coisa que não b". A D. implica uma determinação: a é diferente de b na cor ou na forma, etc. Isso significa: as coisas só podem diferir se têm em comum a coisa em que diferem: p. ex., a cor, a configuração, a forma, etc (Dicionário de Filosofia Abagnano)


Igualdade, desigualdade, diferenças, semelhanças... palavras que podem ter significados diversos quando refletimos e as aplicamos às nossas experiências de vida, palavras que podem alargar nossa concepção de mundo ou restringi-la quando a única possibilidade que temos é submetermo-nos à compreensão que delas tem um outro.
Ainda que sejamos dotados dos mesmos sentidos para apreender a realidade, o "produto final" de nossas percepções tem um forte componente subjetivo. Se a princípio temos a possibilidade de experimentar entre as diversas formas de vivenciar o real, durante o processo educativo aprendemos a nos adequar a uma determinada forma de ver o mundo. Aparentemente, essa é uma coisa que Jacques Prévert não aprendeu:
Dia de festa (Jacques Prévert)

Onde vai você meu menino com essas flores
Debaixo dessa chuva

Está chovendo está molhando
Hoje é aniversário da rã
E a rã
É minha amiga

Ora menino
Bicho não faz aniversário
Ainda mais um batráquio
Decididamente se não o colocamos nos eixos
Esse menino ainda vira um bom malandro
Por causa dele ainda vamos comer
O pão que o diabo amassou
Vive tendo essas idéias
E ninguém ralha com ele
Esse menino só faz o que lhe dá na telha
E nós queremos que faça o que dá na nossa

Oh meu pai!
Oh minha mãe!
Oh meu tio-avô Sebastião!

Não é com minha cabeça
Que ouço o coração bater
Hoje é sim o aniversário
Por que não podem entender?
Oh! não me puxem pelo ombro
Não me peguem pelo braço
Quantas vezes a rã me fez rir
E toda a noite ela canta para mim
Mas aí eles fecham a porta
Vêm falar-me suavemente
Eu grito que é dia de festa
Mas ninguém ali me entende.

Pergunta: José Pacheco

Enviamos a seguitne pergunta ao Prof. José Pacheco.

Como você vê a relação entre currículo, forma escolar e a capacidade da escola em lidar com as diferenças? Quais modelos e princípios que norteiam o trabalho para a diversidade na escola?

Como resposta, ele enviou um livro, do qual retiramos os trechos mais significativos para a temática da exacerbação/apagamento das diferenças.

"Sempre que um professor se assume individualmente responsável pelos atos do ser coletivo, reelabora a sua cultura pessoal e profissional... inclui-se. Como não se transmite aquilo que se diz, mas aquilo que se é, os professores inclusos numa equipe com projeto promovem inclusão."

"Onde houver turmas de alunos enfileirados em salas-celas, não haverá inclusão."

"Onde houver séries e aulas assentes na crença de ser possível ensinar a todos como se de um só se tratasse, não haverá inclusão."

"O ethos organizacional de uma escola depende da sua inserção social, de relações de proximidade com outros atores sociais"

"Na solidão do professor em sala de aula não há inclusão. Nem do aluno, metade do dia enfileirado, vigiado, impedido de dialogar com o colega do lado, e a outra metade, frente a um televisor, a uma tela de computador ou de telemóvel... sozinho."

"Um projeto de inclusão é um ato coletivo e só tem sentido no quadro de um projeto local de desenvolvimento consubstanciado numa lógica comunitária, algo que pressupõe uma profunda transformação cultural."

"O trabalho cooperativo de professores (há sempre mais que dois em cada espaço, em cada momento), a auto-formação e a formação em círculo de estudo são suportes que permitem a todos e a cada um dos orientadores educativos dar resposta a todos e a cada caso."

"Creio ser necessário integrar novas valências na equipa de projeto (educadores sociais, animadores sócio-educativos, sociólogos, antropólogos, especialistas em diversas áreas das chamadas necessidades educativas especiais), que sejam capazes de trabalhar em espaços comuns, cooperativamente."

"Todas as escolas deveriam ser espaços produtores de culturas singulares, mas também espaços de múltiplas interações, comunicação, cooperação, partilha... sabemos que não é bem assim. As escolas são, quase sempre, espaços de solidão. O trabalho dos professores é um trabalho feito de solidão e a solidão dos professores é da mesma natureza da solidão dos alunos – professores e alunos estão sozinhos na escola."

Referência:
PACHECO, José. Inclusão não rima com solidão.